4.10.08

Bolha de Sabão

(Agosto, 2007)




- Você veio...

- Vim!

Olham-se sem se tocar. Instantes. Longos segundos.

- Você veio! – ele sorri.
- Não sabia que eu viria?
- Fiquei surpreso...
- Você sempre me pediu para surpreendê-lo!
- Pois agora você conseguiu.

Manobram ambos o momento com cuidado – qualquer movimento errado pode desvirtuar a etérea magia que os envolve, como que numa bolha de sabão. Olham-se, falam devagar, respiram com cuidado.

- Não me convida para entrar?
- Entra...

Passos calculados até a entrada do prédio. Gestos medidos. Cuidados. Ele abre a porta de madeira, gentil, deixando que ela entre primeiro. Ela para diante da escada, esperando que ele a acompanhe.

- Sobe ...
- Essa escada...
- O que tem a escada?
- Nada... Só estou me lembrando da primeira vez em que estive aqui...

Um andar, dois, três andares. Nenhuma palavra. Apenas o som dos passos. A bolha de sabão cuidadosamente mantida. Ele a olha subir e ela sente-se olhada; e gosta.

Param diante da porta do apartamento. Olham-se. Sorrisos ansiosos. Não se tocam. Não ainda.

Ele vira a chave, empurra a porta.


- Entra...
- Dá licença...
- Espera! – ele a faz parar.
- Que foi?
- O pé direito, por favor?
- Desde quando você é supersticioso? – ela sorri com surpresa.
- Não sou. Mas não custa... O pé direito, por favor?

Ela coloca o pé direito com à frente, num gesto teatral. Passa sob o batente da porta, entra. Ele também. Fecha a porta atrás de si.

Ela dá alguns passos incertos. Respira fundo, suspira.


- Olha eu aqui de novo...
- Sim...
- Olha eu aqui de volta! – ensaia uma risada.
- Você gosta muito daqui...
- Sim, gosto. Gosto da sua casa, sempre gostei...
- Também é sua casa, você sabe, sempre soube.
- Sim ...
- Seu teto, seu abrigo...
- ... meu parquinho de diversões!
- Se você quiser, será...
- Onde eu posso ser criança!
- Onde você pode ser mulher...

Ele a segura pelas mãos, com muito cuidado para não romper a bolha de sabão. Apóia-se nas costas do sofá e a puxa para perto de si com delicadeza. Afaga-lhe os cabelos, olha dentro de seus olhos.

- Conta...
- O que você quer saber?
- Onde esteve, por onde andou?
- Não fui à parte alguma, você sabe...
- Presumi que tivesse feito uma viagem...
- Você sabe que não...
- Uma viagem para dentro de si mesma...
- Ah, sim ...
- E o que encontrou lá?
- Nada ... só saudades tuas...

Ela abaixa o olhar escondendo a emoção. Solta-lhe as mãos e caminha pelo apartamento reconhecendo o espaço, os objetos.

- Parece que nada mudou...
- Quase nada...
- É, acho que está tudo no lugar...
- Está, sim ...
- Ninguém mexeu em nada...
- Ninguém mexeu em nada de seu...
- Será? – ela sorri sem olhá-lo, disfarçando a incredulidade.
- Ninguém esteve aqui.
- Nunca te cobrei nada, você sabe...
- Você poderia chegar à hora que quisesse, qualquer hora, qualquer dia, sempre soube...
- Demorei um pouco dessa vez...
- Eu te esperaria ainda muito mais.

Ainda calculam passos, gestos, palavras. Ainda que a aflição do desejo por tanto tempo contido os esteja quase sufocando.

- Você poderia ter outras mulheres.
- Não quero.
- Tantas quanto quisesse...
- Não quis.
- Poderia já ter um outro amor...
- Não.
- Um amor melhor que o meu...
- Só o teu amor me interessa. Ainda que eu tenha que conquistá-lo outras mil vezes.

A coreografia na bolha de sabão prossegue. Agora ela se aproxima. Cola seu corpo no dele. Olha em seus olhos. Ousa acariciar-lhe a face.

- Você sempre soube que eu ia voltar...
- Sim, sempre...
- Por nenhum dia deixou de acreditar...
- Nenhum, sempre soube.
- Ao me ver sair, já me via voltando...
- Sim...
- Teu amor não vacila...
- Nunca vacilou.
- Enquanto o meu...
- Você é jovem demais.
- Eu te faço sofrer...
- Faz.
- Eu te magôo...
- Eu te perdôo.
- Eu oscilo!
- Eu te dou o direito à incerteza.
- Eu sou assim, você sabe...
- Minha certeza é o que permite que sua incerteza exista...

Ela desvencilha-se dele novamente. Caminha pela sala, lança o olhar perdido pelo infinito da janela aberta.

- Eu não quero ser assim!
- Tudo a seu tempo ...
- Não podemos mais errar!
- Não vamos...
- Nos prometemos muita coisa!
- Vamos cumprir...
- Tenho medo!
- Eu não tenho ...
- Eu desejo tanto, ambiciono outras coisas!
- Você pode...
- Eu quero desafios!
- Então encontre outros. Eu não serei teu desafio. Não foi para isso que eu cheguei. Eu vou ser teu porto.

Abraça-a por trás, com força. Cola os lábios em seu pescoço. Sorve-lhe o perfume.

Ela vira o corpo. Abraça-o, passando os cotovelos por sobre seus ombros.


- Eu já não me entendo sem você!
- Eu não quero você longe de mim ...
- Já não sou quem eu era!
- Claro que não... Nunca mais será, ainda não entende?
- O seu amor, seu jeito, seu mundo, seu corpo e suas mãos ... tudo ... parece uma teia...
- Você diz “teia”, eu te dou um ninho ...
- Não há como sair!
- Você sai...
- Mas volto!
- Porque quer ... – ele sorri placidamente.
- Meu corpo te pede!
- E eu atendo...
- Será um vício?
- Vício?
- Você é um vício! - ela ri nervosa.
- O que importa agora saber se é vício ou virtude?
- Vício!
- Te amo!

As palavras param de soar. Rompe-se a bolha de sabão. Beijam-se. Demoradamente. Muito demoradamente. Esperaram demais pelo momento. Não há mais o que dizer. Apenas muito o que sussurrar.



Vou voltar
Haja o que houver, eu vou voltar
Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás
Palavra de mulher, eu vou voltar

Posso até
Sair de bar em bar
Falar besteira e me enganar
Com qualquer um deitar a noite inteira
Eu vou te amar

Vou chegar
A qualquer hora ao MEU lugar
E se uma outra pretendia um dia te roubar
Dispensa essa vadia, eu vou voltar!

Vou subir
A nossa escada, a escada, a escada, a escada
Meu amor eu, vou partir
De novo e sempre, feito viciada
Eu vou voltar

Pode ser
Que a nossa história
Seja mais uma quimera
E pode o nosso teto, a Lapa, o Rio desabar

Pode ser
Que passe o nosso tempo
Como qualquer primavera

Espera, me espera...
Eu vou voltar


("Palavra de Mulher" - Chico Buarque)

**

3 comentários:

Anônimo disse...

"Conta...
- O que você quer saber?
- Onde esteve, por onde andou?
- Não fui à parte alguma, você sabe...
- Presumi que tivesse feito uma viagem...
- Você sabe que não...
- Uma viagem para dentro de si mesma...
- Ah, sim ...
- E o que encontrou lá?
- Nada ... só saudades tuas..."


Parece uma viagem ao tempo em alguns momentos em que vivi...Quem nunca passou por algo assim?Uma dor.. uma saudade... e o tempo inimigo de nossas almas... corre .. corre... e quase perdemos o que importa. Se deixarmos o Sr. tempo falar o que devemos escolher, nunca escolheremos o que verdadeiramente nos faz sentido na vida...
Muito bom o blog... estarei sempre aqui! Abração!

Fábio Pegrucci disse...

COMENTÁRIOS RECUPERADOS - postados no antigo blog


enviado por: Deby

Papéis invertidos no lindo conto fadas... Os desejos dele exaltados, falas escondidas, coisas que ambos entendem como ninguém, mas nós simples mortais apenas ganhamos o prazer de nos deleitarmos aqui na plateia da vida, aplaudindo o amor em sua forma plena... Pensamentos confusos de quem jamais provou de perto, na vida real tal coisa e nem sabe se um dia terá a oportunidade, mas que ao assistir tal sonho transcrito em tão belas palavras vêque pelo menos o amor existe em algum lugar dessas terras!
Em: 17/08/2007 18:53:02

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom