6.10.08

Poligamia

(Setembro, 2007)


Sou um homem de muitas mulheres.

Certamente deveria eu sentir-me lotado de contentamento por tal fato – vivo o sonho de dez entre dez homens-padrão! A fantasia trivial de todos é a minha realidade: um harém!

Sim, sou um homem de muitas mulheres!
Um grande felizardo, sim!

Mas que não se imagine que tal dádiva signifique um eterno estado de êxtase e nada mais! Não! Tal fato exige-me grande esforço “administrativo”, muita concentração, grande capacidade de dedicação – sim, pois ao contrário do que se poderia imaginar, meu harém não funciona como um corpo harmonioso de concubinas, todas felizes pelo simples fato servir ao sultão. Longe disso: cada uma de minhas odaliscas exige de mim uma espécie de tratamento diferenciado, esperam de mim palavras e atitudes distintas, satisfazem-se com prazeres diferentes.

Eu não as escolho, não sou eu que opto por uma ou outra, de acordo com minha vontade momentânea. Não! São elas que resolvem, lá entre elas, qual é a que vai comparecer a cada dia – e há dias em que mais de uma vem me visitar! Às vezes, uma surge pela manhã, à tarde uma outra e uma terceira no fim da noite. Dias há mesmo, em que mais de uma surge ao mesmo tempo, o que requer de mim grande destreza para lidar com uma e outra, simultaneamente! Mesmo porque, como quase sempre irrompem meus aposentos parcialmente ocultas por véus ou máscaras, nem sempre identifico de pronto qual delas é – e é mister que eu saiba rapidamente com qual delas estou lidando, sob pena de amargar um fragoroso fracasso nas minhas pretensões amorosas de cada dia.

Minhas mulheres são todas exigentes...

E elas são muitas!
Muitas...

Entre elas há uma fera nas artes da paixão, dos prazeres do amor. Uma mulher que se entrega como nenhuma outra – e mesmo por isso, obriga-me a equivalente entrega. Viaja com tal perícia pelos atalhos da libidinagem, que, com ela, perde-se por completo a linha divisória entre “seduzir” e “ser seduzido”: isso, com ela, pouco importa! Sabe como ninguém sentir e compartilhar uma espécie de prazer do qual o corpo é um mero veículo para algo que chega muito mais fundo, muito mais longe!

Devo estar à postos e muito preparado quando ela vem!
Não posso decepcioná-la, jamais!
Sou muito apaixonado por ela...


Aguardo ansioso também a visita de uma outra criatura desse meu harém. Diferente da outra, essa menina doce é portadora de um romantismo quase extinto nesses tempos tão áridos – ela não é daqui, veio do interior, de muito longe. Sonha com príncipes, castelos, carruagens, beijos encantados sob a luz da lua – e me procura enternecida após assistir filmes românticos!

Ela é linda...

Essa criatura de alma delicada como nenhuma outra, eu preciso receber com o cuidado de quem manipula uma rara porcelana! Com carinho na voz e com os ouvidos prontos, porque ela gosta muito de falar, de contar o que se passa em seu coração – e o faz com doçura sem igual.

Minha alma fica em festa quando ela vem...
Eu sou muito, muito apaixonado por ela!


Existe uma outra, uma outra um pouco parecida com aquela moça romântica do interior. Acredito que seja sua irmã mais nova, mas não estou certo disso. Às vezes confundo-me um pouco. Mas aprendi a notar a diferença. Esta, por ser mesmo muito mocinha, age e fala ainda como criança – e adora ser tratada como tal! Devo confessar que me agrada muito brincar com ela... Compro-lhe doces e outras guloseimas, deixo-a divertir-se pela casa sem me importar com a desarrumação que provoca, faço-a dormir em meus braços. Eu tenho a sensação de que, quando comigo, ela sente segurança para poder ser essa criança um pouco tardia que, em outras situações, sentiria um pouquinho de vergonha de mostrar – eu acho que lhe confiscaram uma parte da infância sem que ela nada pudesse fazer... Eu gosto de pensar que eu a estou lhe devolvendo!

Devo sempre aguardá-la com alegria...
Ela me faz feliz demais – porque me diverte como nenhuma outra!
Eu a amo. Muito!


Uma outra mulher surge vez por outra. Decidida e cheia de si, olha para mim com certo desprezo. Ambiciosa, parece encarar-me como algo pequeno demais, primário demais, incômodo demais. Trata-me mesmo como se, decididamente, não precisasse de mim. O tempo todo mergulhada na tortuosidade do seu mundo íntimo, fala pouco, muito pouco, quase nada – e constantemente de forma um pouco áspera.

Com ela, qualquer descuido é um desastre. Tenho com ela uma relação difícil, confesso: mas lhe tenho grande admiração! Ela me instiga, me desafia como nenhuma outra. Exige mais de mim.

Eu a aguardo com a atenção redobrada, os sentidos atentos.
Ela sequer desconfia, mas a amo tanto quanto às outras.


Ainda há outras, muitas outras.
Algumas eu ainda não conheço, mas sei que chegarão, mais dia, menos dia. Talvez já estejam me observando e imaginando de que forma eu as receberei – e eu aqui, ansioso por conhecê-las, vivo na completa certeza de que as amarei totalmente, intensamente: ainda que causem-me mais perturbações do que repouso, ainda que confundam-me mais do que esclareçam, ainda que me causem alguma dor.

Amarei todas as mulheres do meu harém.
Todas.
Sempre.

Todas essas mulheres que eu beijo em uma única boca, que tento compreender através de uma única voz, com quem amor eu faço em um único corpo – e esperarei por cada uma delas, sempre empenhado em lhes dar o que de mim esperam.

Preocupado já não sou em uni-las numa única: se me é propiciado amá-las assim, aos pedaços – e se, todas juntas, têm tudo o que é sonhado para satisfazer toda e qualquer ambição amorosa de um homem -, assim será.

Realizando à minha maneira a fantasia de dez entre dez homens-padrão e, mesmo estando muito longe de possuir o poder de mandatários de terras distantes, para os quais a poligamia é quase obrigatória, eu posso dizer, assim, orgulhoso: eu sou um homem de muitas mulheres.

Eu tenho um harém!


Maria Bethânia
"Olha"

(Roberto Carlos - Erasmo Carlos)






Olha, você tem todas as coisas
Que um dia eu sonhei pra mim
A cabeça cheia de problemas
Não me importo, eu gosto mesmo assim

Tem os olhos cheios de esperança
De uma cor que mais ninguém possui
Me traz meu passado e as lembranças
Do que eu sempre quis ser e não fui

Olha, você vive tão distante
Muito além do que eu posso ter
E eu que sempre fui tão inconstante
Te juro, meu amor, agora é prá valer

Olha, vem comigo aonde eu for
Seja minha amante, meu amor
Vem seguir comigo o meu caminho
E viver a vida só de amor


(“Olha” – Roberto Carlos / Erasmo Carlos)

***

2 comentários:

Anônimo disse...

Posso definir o texto em uma só palavra... P E R F E I T O!
Simplismente isso...
Quanto a música, uma das minhas preferidas... gravada por Maria Betânia. L I N D A

Anônimo disse...

Perfeito demais...

Nunca tinha visto por esse ângulo...

Mtas vezes sentimos falta de alguma coisa e não sabemos o que... Era isso, que nós vissem de maneiras diferentes a cada momento!!!

Vc poderia me mandar alguns textos por e-mail???

mayara.herter@bol.com.br

Mto obrigada, pela atenção, por estes textos maravilhosos, por me fazer pensar de modos diferentes...