2.10.08

PRESENTES

a terceira carta sem destino
(Maio, 2006)


Para entender o que significa um presente, antes de mais nada é necessário despir-se quase por completo da idéia de "merecimento". Eu compreendo, aceito e propago com grande constância e entusiasmo o princípio de "merecer antes para receber depois" - acredito sim que há justiça no plano de vida de cada criatura, ainda que essa nem sempre se mostre plenamente visível. Mas essa idéia se aplica às questões referentes à "conquistas" - e eu hoje não quero falar sobre conquistas.

Quero falar sobre "presentes".

Ainda que você não saiba ou nem mesmo sinta-se merecedor, a vida estará sempre pronta a lhe conceder alguns "mimos" - basta que você tenha olhos para vê-los e algum talento para compreender sua natureza.

Antes de mais nada, em um presente não se enxerga defeito: não se diz que chegou na hora errada, que não é do seu número ou de sua cor preferida, não se reclama se vai durar pouco ou se é grande demais para ser transportado - e alguns efetivamente o são. Um presente é um presente. Ponto.

Sorria. Aceite. Agradeça - e não diga mais nada.

Sobretudo, não assuma a postura falsamente modesta, falsamente constrangida do aniversariante que ao receber o presente da tia distante, ensaia seu melhor sorriso falsamente amarelo e diz:

- Ah! Não precisava! Não precisava se incomodar ...

Presentes existem para serem aceitos - a questão não é se alguém "precisava" lhe presentear, mas que alguém desejava lhe presentear. Sua alegria será a melhor retribuição possível.

Para que se receba da vida os melhores presentes, não é necessário pensar muito. Aliás, tenho comigo que é quase indispensável que não se pense demais: os grandes presentes parecem destinar-se justamente aos mais ousados e aos dotados de uma saudável dose de irresponsabilidade. Não é necessário que se sinta "preparado", que se aguarde o "momento propício", que se espere passar o Carnaval, a Copa do Mundo, as eleições, que se aguarde a primavera, o verão ou o início das férias. Alguns presentes não esperam para serem concedidos, se você se recusar a recebê-los quando oferecidos eles podem se estragar, se acabar ou - pior - ser entregues a outra pessoa.

Você pode muito bem encontrar seu presente perto de onde está - na sua casa, no caminho do trabalho, na padaria da esquina. Mas nem sempre. Às vezes, esse Papai Noel fora de época não encontra a sua chaminé e vai entregar seu brinquedo longe da sua casa. Às vezes você tem que viajar para buscar seu carrinho, sua bola, sua boneca. Mas, uma vez que os encontre, você vai sentir-se ainda mais recompensado - e vai entender a própria viagem como parte do presente.

Tome cuidado com a embalagem do seu presente: nem sempre o pacote reflete o conteúdo. Portanto, vá com calma: retire os laços devagar, abra a caixa com cautela, retire o que ganhou com delicadeza. Talvez seja frágil, talvez seja perecível, talvez possa até se estragar - ou fugir! - se você errar nessa etapa. Tente conhecer seu presente antes de começar a brincar com ele - e esse é um conselho essencial.

Alguns presentes não foram feitos para serem possuídos - e nisso reside um grande perigo. Você pode gostar tanto do brinquedo novo que pode sentir-se tentado a carregá-lo para casa, trancá-lo numa caixa e guardá-lo na mais alta prateleira. Pode ser um erro fatal: alguns presentes foram feitos apenas para serem usufruídos - e negar-lhes essa natureza pode fazer com que seu real encanto se desfaça, se dilua, se acabe. Será feliz quem notar em seu presente essa característica e desfrutar dele, com alegria e prazer, até que seu tempo se esgote.

Algum talento e - se me permitem a imodéstia - alguma experiência no assunto são indispensáveis para detectar em tempo real quando acontecem os melhores momentos dos presentes que a vida oferece. Sim, pois da mesma maneira que a melhor parte de um banquete pode não ser o prato principal e sim as sutis nuances de sabor das entradas e dos acompanhamentos, a essência de um grande evento pode não estar no "todo", mas escondida, quase codificada em pequenos e quase imperceptíveis fatos periféricos - que sentidos menos experimentados podem ignorar ou desprezar. Assim é que essencial e inesquecível pode ser uma negativa, uma recusa - ao contrário do que se poderia esperar, há muito mais graça num inesperado "não" do que num óbvio "sim"; mesmo porque, a surpresa causada por aquele, torna muito mais valorosa a conquista deste... Essencial e inesquecível pode ser uma mera palavra dita com descompromisso mas cujo som parece manter-se suspenso no ar por longos instantes; podem ser uns poucos minutos silenciosos no aconchego do banco traseiro de um taxi que roda à noite por uma cidade que não se conhece: e você, por razões inexplicáveis, apenas por sentir-se absolutamente inteiro e completamente feliz naquele momento, torce para que esses minutos se prolonguem - até a eternidade, se possível fosse; pode ser não o vinho sorvido, mas sim as gotas do mesmo vinho entornadas por descuido sobre um lençol branco - e os desenhos produzidos por elas sobre essa inesperada tela: é essencial enxergar esses desenhos...

Mas há algo mais - e essa é a parte mais difícil de explicar. Para que se abrace o maior número possível dos presentes que a vida tem a oferecer, é preciso ser dotado de um inominável e quase indefinível senso de oportunidade. Alguns chamariam de "intuição" - mas é mais. É preciso ser um pouco centroavante na vida. É preciso saber com exatidão em que parte da grande área deve-se se posicionar para que a bola encontre caprichosa a sua cabeça e dela se projete rumo às redes adversárias - aos quarenta e cinco do segundo tempo, o gol do título. Você deve obedecer ao seu instinto, pressentir sinais, ouvir vozes misteriosas, arriscar-se e - sim! - estar preparado para errar e se arrepender, dez, cem, mil vezes: mas nunca, jamais se arrepender por aquilo que NÃO fez.

Eu aprendi essas coisas.
Eu desejo dizer que me sinto muito feliz.




Belo Horizonte, São Paulo
Maio de 2006


***

3 comentários:

Anônimo disse...

Querido Ministro,
O novo site está um arraso de lindo! Parabéns!
Quanto às fotos atribuídas, que luxo... rs
Adoro vc!
Beijo meu!

Flávia disse...

Olaaa Fabio... é eu tenho uma casa... meio abandonada.. mais esta la... as vezes eu vou tirar o pó...
Realmente este é mais uma das coisas lindas que vc escreveu... Ja tinha lido e adorado!
Um grande beijo

Fábio Pegrucci disse...

COMENTÁRIOS RECUPERADOS - postados no antigo blog


enviado por: Adivinha...

Quantos sentimentos traduzidos em palavras hein... Qtas verdades emitidas diretamente do coração para intensos olhares! Que delicia o ato de sermos fiéis a nós mesmos, sem hipocrisias, sem falsos moralismos, alheio à tantas regras dogmáticas que essa nossa sociedade ainda machista nos impõe, onde mtas vezes um homem como vc, verdadeiro nas palavras e fiel a si mesmo é visto como um banana comparado aos machões que imperam por ai... Ainda bem que existem pessoas como vc que simplesmente ignoram a ignorância da maioria!
Resolvi fazer esse comentário por ai pois acho que vc não vai com a minha cara, já nos topamos algumas vezes pelo orkut...
Mas deixo meu e-mail, quem sabe vc descubra quem sou!
Beijosssssss



enviado por: Débora
Era sobre isso que eu dizia...

Ah, o amor... Que grande faceta!



enviado por: ...
Coisas do Brasil - Guilherme Arantes/ NELSON MOTTA

Foi TÃO BOM te conhecer, tão FÁCIL te querer
TRISTE não te ver por tanto tempo
É bom te encontrar, QUEM SABE FELIZ
Com a mesma alegria
De novo
Mais uma vez, amor
Te abraçar, de verdade
HÁ SEMPRE UM NOVO AMOR
E UMA NOVA SAUDADE...
Coisas do Brasil, coisas do amor
Luzes da cidade acendendo o fogo das paixões
Num bar à beira-mar
NO VERDE-AZUL DO RIO DE JANEIRO
Mais uma vez, amor
Te abraçar, de verdade
Há sempre um novo amor
E uma nova saudade...

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Sei que não preciso assinar...



enviado por: EU
Tem gente que em vez do Rio, foi pra MG.