9.12.08

Tom, Vinícius, saudade.

(Dezembro, 2008)

Devia ser um bom lugar para se viver, aquele Brasil de 50 anos atrás.

Neste ano de 2008, de tanto que se celebrou os 50 anos da bossa nova, foi inevitável voltar as percepções para aquela época, quando tudo parecia ser mais leve, quando o mundo parecia ser menor e quando ter uma boa idéia poderia significar mudar para sempre a história da cultura de um país.

A segunda metade da década de 50, para quem aprendeu a sentir a vida através de versos, melodias, cenas, textos – e todas as demais guloseimas do espírito – é um tempo que causa uma estranha saudade, até para quem nem estava lá.

E essa nostalgia é mais uma vez cutucada – e com muita graça – no espetáculo “Tom & Vinícius – o Musical”, em cartaz em São Paulo.

São retratados os primeiros anos da parceria, que se inicia quando o respeitável poeta e diplomata Vinícius de Moraes tem a idéia de transformar em musical a história de Orfeu e Eurídice transportada para um morro carioca – naquela época os morros cariocas inspiravam os poetas. Apresentado então ao jovem e talentoso músico Tom Jobim, ambos realizam seu primeiro projeto em conjunto.

A história em si já é malhada, totalmente conhecida em todos os seus detalhes. Mas vê-la dramatizada no palco, com atores encarnando personagens tão reais e ainda tão vivos em nossa memória – com todos os seus trejeitos e jargões, reproduzindo com fidelidade até mesmo a maneira como se vestiam – é quase como poder ser transportado no tempo e no espaço e ter a chance de testemunhar tais fatos.

Alguns episódios marcantes da trajetória da dupla são retratados em engenhosos e divertidos esquetes.

Dois deles são sensacionais.

No primeiro, Tom e Vinícius tentam convencer Elizeth Cardoso a incluir a canção “Chega de Saudade” em seu próximo disco, “Canção do Amor Demais” – e vencer a resistência da cantora à música que ela considera, a princípio, “erudita” demais para seu repertório. Uma vez tendo conseguido seu intento, os parceiros se esforçam ainda muito mais para conseguir depois que a “Divina” aceite ser acompanhada na gravação da faixa por um desconhecido violonista baiano chamado João Gilberto... Para quem tem uma vaga noção do que a canção, o disco e o violonista passaram a representar para a história da música brasileira após a gravação que – graças a Deus! – aconteceu, a situação é hilária.

No outro, é retratado o encontro de Tom e Frank Sinatra, na gravação de “The Girl From Ipanema” para um programa da TV americana. Por ter esse “clip” tornado-se um clássico ao longo das últimas décadas, de maneira a se poder saber de cor cada movimento dos dois artistas, a cena torna-se uma homenagem à ambos, pela exatidão com que é reproduzida – na verdade, nem seria necessário caricaturar o que originalmente já é exagerado: Sinatra esparramado numa cadeira, fumando; Tom, parecendo pouco à vontade de gravata borboleta e tocando violão ... Ótimo!


Marcelo Serrado está ótimo encarnando Tom, mas Thelmo Fernandes rouba a cena na pele de Vinícius. Guilhemina Guinle – a quem o adjetivo “charmosa” precisaria ser elevado à enésima potência para lhe fazer jus – vive duas das mulheres de Vinicius. Um elenco de jovens atores-cantores e uma banda de cinco músicos que permanece parcialmente oculta durante todo o espetáculo lhes da sustentação.

A produção é caprichada, a direção é precisa: são duas horas de autêntica viagem à aquele tempo do qual se sente saudade sem ter estado lá e na ilustre companhia de dois de seus maiores mitos.

Bárbaro!


Tom & Vinícius – o Musical, de Daniel Pereira de Carvalho e Eucanaã Ferraz. Direção de Daniel Herz. Direção musical de Josimar Carneiro.
No Teatro Copa Airlines, Shopping Eldorado, São Paulo.

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